terça-feira, 26 de outubro de 2021

Dar-se um jeito!

 Já ouvi diversas vezes que tenho um ar de desencanada, de que tá sempre tudo bem, sempre “de boas”, tranquila...

De fato me considero bem leve em alguns aspectos da vida onde outras pessoas surtam, mas a verdade é que eu sempre fui regrada, a rainha do planejamento, a que faz roteiros para tudo, a que cronometra o dia, a que tem um planner mensal e semanal colado na geladeira,  a que odeia imprevistos, a que tenta estar no controle de todas as situações da vida. 

Hiking Family


Uma das coisas que aprendi durante esse ano de pandemia e alguns bons anos de terapia, é que temos uma falsa impressão de controle. A gente pode até antecipar cenários, fazer listas de prós e contras, pensar em possíveis consequências, mas saber o que vai acontecer? Ah, isso não sabemos. A vida só acontece. Muitos dos planos não dão certo, muitas certezas absolutas já não são exatamente aquilo que pensávamos e muitos dos imprevistos nos fazem lembrar de que a vida é agora e a gente sempre dá um jeito de fazer acontecer. Mesmo quando tudo sai do SEU controle.  Sem planos, certezas e roteiros.

Estou tentando todo dia ser aquele ser desencanado que as pessoas me veem.

Todo dia.

Um passo de cada vez. 

Meu mantra atual é uma frase do Guimarães Rosa “ A vida é feita de poucas certezas e muitos dar-se um jeito” 

Texto: Maria Fernanda Garcia


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Aprender a Fazer

 “ É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer” Aristóteles

Fui buscar a Clarice na natação e ela estava meio triste, o que me pareceu estranho já que ela ama fazer esportes e ama nadar. Conversando, ela disse que não estava conseguindo virar cambalhota e que precisava aprender até o final do ano para o “Festival de Natação”. Ela pediu que eu a ajudasse, já que quando ainda estava na faculdade, fui professora de natação. Marcamos o dia e descemos para treinar.


Entre um mergulho e outro ela disse que estava com muito medo. Medo de entrar água no nariz, medo de ficar desnorteada embaixo d'água, medo, muito medo. “A ideia de que algo ou alguma coisa possa ameaçar a segurança ou a vida de alguém, faz com que o cérebro ative, involuntariamente, uma série de compostos químicos que provocam reações. Isso é o que caracteriza o medo”

Entendi e acolhi seus sentimentos e em resposta disse que ela não precisava aprender a cambalhota se ela não quisesse. E expliquei que esse é o tipo de coisa que a gente só  aprende a fazer, fazendo, treinando, praticando. Eu podia ficar horas ali dizendo teorias e tentando convencê-la, mas o resultado só virá quando ela conseguir relaxar, “deixar acontecer” e principalmente: se divertir. Ai sim ela será capaz de fazer o que quiser. Estou ao lado dela, mas só depende dela. 

Pode ser que essa cambalhota não aconteça esse ano e tudo bem! Passamos uma tarde deliciosa de brincadeiras, mergulhos, leveza e muita, mas muita água no ouvido.

Texto Maria Fernanda Garcia


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Crise da Meia Idade

Foi num almoço despretensioso de um domingo qualquer com algumas amigas e amigos que surgiu o assunto “Crise da Meia idade”. Aquele período onde a gente não sabe exatamente o que é, mas sabe que talvez não seja aquilo que achávamos que era.  Ou seja, onde podemos assumir que estamos envelhecendo e assuntos como a finitude, sentido da vida e outros sentimentos que nem bem sabemos nomear começam a surgir na nossa cabeça. Parece até que as nossas velhas idéias, objetivos e  valores não fazem mais sentido.

Um dos nossos amigos se desembestou a praticar atividade física e a alimentar-se melhor, outro está decidido a pedir demissão, outra diz querer largar tudo e fazer intercâmbio na Austrália, outra decidiu surfar e praticar todo o lifestyle que envolve a nova modalidade, outra quer mudar de país, outra pensa em mudar de área e quem sabe fazer uma nova faculdade, outra quer fazer mestrado, outro está pedalando duas horas nos finais de semana, outra virou vegana… Vejam que não temos um padrão de questões levantadas num almoço, são diversas - sobre vida profissional, vida pessoal, relacionamentos, mas todas tinham um ponto em comum, o desejo de mudança.


Nós - Crise da meia idade. Será?

Carl Jung descreve essa crise como “Metanóia”, palavra grega que significa mudança. Mudar de ideia, mudar de conceitos, mudar de pensamentos. Ela acontece na segunda metade de nossas vidas, entre 30 e 50 anos e é descrita como precedente para a descoberta do verdadeiro sentido da própria vida.

A neurociência cognitiva diz que o crescimento e desenvolvimento podem ocorrer na meia idade, portanto somos tecnicamente capazes de produzir um cérebro mais equilibrado, desenvolvido e aprender novas habilidades.

O mais difícil hoje em dia é lidar com uma cultura que não vê que pode-se sim se desenvolver, crescer e mudar aos 40+. Porque não estamos correndo atrás do tempo perdido, e sim buscando mecanismos  internos para enfrentar uma nova vida sem deixar de lado a antiga, sabendo que toda ação gera uma reação e é preciso estar ciente das suas escolhas.

São tantos exemplos me rodeando que decidi acolher e escutar as minhas vozes internas. É aquela velha questão: “Não sei se eu caso ou compro uma bicicleta?”, só que bem mais profunda.

Texto: Maria Fernanda Garcia


terça-feira, 5 de outubro de 2021

Você é bom ouvinte?

Quando caminhamos a pé todos os dias para a escola passamos a conhecer todas as perfeições e imperfeições do nosso trajeto. Todas as rachaduras e buracos do chão, paredes e muros pintados e pichados, as novas flores das árvores e as pessoas que sempre estão presentes no nosso dia a dia, mesmo sem conhecê-las.

Passamos sempre na frente de uma loja de calçados - Clarice passa duas vezes e eu passo quatro vezes, e em todas elas um rapaz que trabalha lá diz na maior animação:

- Bom dia! Quer entrar para ver as promoções? 

- Hoje não, obrigada!

Ele fala em T-O-D-A-S-A-S-V-E-Z-E-S-N-A-I-D-A-E-N-A-V-O-L-T-A… Até achei que ele estava me zoando, porque entre as duas primeiras passadas o intervalo é de dois minutos. Ele tinha acabado de falar comigo, não era possível que achava que eu tinha mudado de ideia assim tão rápido. Isso acontecia quando eu estava acompanhada ou desacompanhada. Era até engraçado. A gente até pensou em fazer como aquele meme onde a pessoa levanta um cartaz com uma frase qualquer e na nossa seria: “Não queremos ver as promoções, obrigada.”


Clarice e sua Grande Bolha

Um dia resolvi conversar com ele. Perguntei seu nome e batemos o maior papo. Ele me contou sobre sua vida, a família, como estavam indo os negócios. Disse estar bem difícil o comércio hoje em dia com a pandemia, que as pessoas resolvem seus problemas online, ele inclusive só faz compras online, enfim, ele falou bastante, uma simpatia. Eu escutei tudo o que ele tinha pra falar e disse que quando o meu tênis “acabasse” eu iria comprar outro lá. 

Agora eu te pergunto. Quantas foram as vezes em que você ouviu uma história atentamente e genuinamente sem estar se preparando para falar algo? Somente ouvindo com interesse? 

Ao fazermos isso temos a oportunidade de escutar histórias reais de pessoas interessantes e que nem sempre fazem parte do nosso círculo social. Experimente!

Fabiano Issas disse: "A escuta é gratuita, generosa, altruísta e muitas vezes penosa. É o silenciar do seu mundo quando o mundo do outro fala. Quem nunca se cala desconhece o som da humanidade.” 

Hoje em dia nos cumprimentamos pelo nome e posso dizer que tenho um amigo aliado que traz uma certa segurança de andar por ali. Sempre atento, solícito e com um sorriso no rosto.

Texto: Maria Fernanda Garcia